quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Donington por Senna

Este é o depoimento do próprio Ayrton Senna sobre uma de suas melhores corridas, Donington 1993, o qual fora publicado pela Quatro Rodas em Maio de 1993.

"Cheguei a mais uma vitória na Fórmula 1, a 101ª da McLaren, que está quase igualando o recorde de 103 triunfos da Ferrari. Não preciso provar mais nada pra conseguir um motor igual ao da Benetton. Só espero que algum iluminado da Ford perceba que ela mesma está perdendo a chance de ganhar mais provas. O propulsor fornecido à Benetton é bem superior ao nosso. Num teste realizado em Silverstone, a diferença chegou a três quartos de segundo. Depois da vitória no Brasil, pensei que dificilmente teria outra satisfação semelhante. Mas Donington Park foi incrível. Naquele autódromo, pela primeira vez em minha carreira pilotei um carro de F-1 e, por ironia do destino, um Williams. Lembro que o próprio Frank estava presente e anotou todos os meus tempos. Até hoje guardo as cópias dessas anotações. Depois do GP da Europa, tenho mais uma ótima recordação pra guardar na memória. Tudo influiu na minha vitória: a chuva, a primeira volta, as paradas nos boxes, os retardatários...

A primeira volta foi um tiro psicológico na concorrência. Não larguei tão bem assim como disseram e fui espremido pelo Schumacher no canto da pista. Tive de colocar duas rodas pra fora, mas recuperei a posição antes da primeira curva. Mas aí havia o Wendlinger, que largou uma posição atrás de mim. Passei por fora no trecho seguinte, um mergulho, o trecho mais veloz da pista. Ainda restavam os dois FW15 e, atrás de Damon Hill, atrasei a freada e logo fiquei em segundo. A próxima vítima era Prost e tive de esperar os “esses”, onde há uma chicane. Ele freou bem antes do normal e abriu uma brecha perfeita pra mim.

Na volta seguinte, eu estava com boa vantagem sobre os demais. Não demorou muito para que a chuva parasse e a pista começasse a secar. Não tive outra opção senão entrar nos boxes na 18ª volta e colocar pneus slick. Prost fez o mesmo na volta seguinte e mantive a liderança.

Todos sabem: os Williams são muito melhores do que os outros carros, que se nivelam um pouco debaixo de chuva. Quando saí dos boxes com slick resolvi puxar o máximo pra garantir uma vitória. Mas eu estava entre a cruz e a espada, porque é preciso tomar cuidado ao dirigir com pneus de pista seca em um asfalto úmido. Por outro lado, se eu diminuísse o ritmo, os pneus perderiam pressão e temperatura. Quanto mais frio, menor a aderência e o carro fica sem estabilidade.

Guiar no úmido com slick em dois momentos da prova definiu a minha vitória. A pressão é indescritível. Não se pode relaxar nem mesmo nas retas e Donington tem algumas curvas “cegas”, que não colaboram no aspecto da segurança. Por isso, redobrei a preocupação com quem estava à minha frente. Também tive problemas no pit stop. Na terceira troca de pneus, a roda traseira direita não queria sair de jeito nenhum e a demora parecia uma eternidade. O Prost, que foi para os boxes no mesmo instante, retornou ao local cinco voltas mais tarde. Então recuperei a liderança – com slick em pista úmida! Segurei até a volta 57, quando, literalmente, fiz uma visita aos boxes. Por culpa do nosso novo sistema de rádio, ninguém compreendeu quando avisei que estava chegando para colocar pneus de chuva. Ao encostar o carro, vi os mecânicos saindo da garagem com os pneus nas mãos. Passei reto, não tinha outro jeito.

Esse não foi o único problema provocado pelo mau funcionamento do rádio. Demorei um tempo razoável para entender o que os mecânicos me avisavam a respeito de problemas de consumo. No grid, antes da largada, quando meu engenheiro Giorgio Ascanelli e eu achamos que seria melhor adicionar um pouco mais de combustível, fomos avisados sobre a impossibilidade da operação. Devido a um problema de vazamento e a falta de tempo em repará-lo, os mecânicos selaram meu tanque. Portanto, o consumo ficaria no limite. Mudei meu estilo de dirigir, trocando as marchas em rotações mais baixas.

...Tirava o pé do acelerador um pouco antes da entrada das curvas e freava com menos ímpeto. Pequenos detalhes que pouparam litros preciosos no final.

Mas em piso seco, a nossa briga seria dura até contra os Benetton. E não há piloto ou pista que possa superar no relógio a diferença a favor dos Williams!"

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