sábado, 20 de dezembro de 2008

Dança das cadeiras em 1987

De tempos em tempos, na Fórmula 1, ocorrem trocas de equipamentos, pilotos e equipes que oxigenam e transformam a categoria. Uma das mais intrigantes, complexas e decisivas aconteceu ao final da temporada de 1987, resultante de longas negociações iniciadas no começo da temporada.

Na posição de espectador privilegiado, por razões profissionais que me colocaram próximo de uma das principais peças e articulador das jogadas do tabuleiro, pude testemunhar alguns dos movimentos e concluir outros.

No início daquela temporada, a Porsche, antevendo a elevação dos custos para manter seu motor à altura dos concorrentes diretos (Renault e Honda), anuncia sua retirada das pistas, após ter igualado e ultrapassado suas concorrentes alemãs (Mercedes e BMW), obtendo três títulos mundiais seguidos em sua associação com a McLaren.

Surge, então, a lista de desejos:

- A McLaren deseja o motor Honda e Nigel Mansell;
- Senna deseja a Williams;
- O patrocinador da Williams deseja e impõe Nigel Mansell;
- A Ferrari deseja Piquet, que não se interessa, pois a escuderia italiana não oferece um pacote competitivo;
- A Honda quer Piquet (um bicampeão), pelo seu conhecimento do motor e capacidade de acerto e regulagem;
- A Rede Globo, proprietária da Tele Montecarlo, à época, e responsável pela geração de imagens de três GPs, deseja os pilotos brasileiros em equipes de ponta;
- E Mansell quer ficar na Williams.

E tem também a lista dos “não quereres”:

- Piquet não quer a McLaren, pois teria de dividir com Prost, que contava com a preferência de Ron Dennis, além de acreditar que a equipe demoraria em adaptar o motor Honda a seu projeto;
- Senna não quer a McLaren, pelas mesmas razões de Piquet, além da troca de patrocinadores.

E os jogadores iniciam os movimentos das peças. A McLaren acerta com a Honda, deixando indefinida uma vaga, à escolha da fábrica japonesa, além de tirar da Williams seu fornecedor de motores. Piquet bloqueia a vinda de Senna, prometendo trabalhar para a equipe. Porém, para sua estratégia funcionar completamente, seria necessário conquistar o título, que lhe daria mais poder de escolha.

Com a indefinição de Piquet, a dança das cadeiras encontrava-se, momentaneamente, indefinida e paralisada. Isso era ruim para Senna, para a McLaren e para a Ferrari, que tencionava arrebanhar pelo menos um dos pilotos de ponta.

Ayrton é aconselhado pela Honda a assinar logo com a McLaren, a única que apresentava uma vaga clara. O entrave estava na troca de patrocinadores, concorrentes e rivais marcas de cigarros, que proporcionaria uma multa a ser paga pela McLaren e, portanto, menores ganhos iniciais ao piloto. A contragosto, mas com a garantia de um especial para a TV, contando sua carreira, Senna é o primeiro a ser definido. A equipe McLaren estava completa e fechada.

Gerard Ducarouge, projetista da Lotus, prometendo um chassi competitivo e um trabalho incessante de desenvolvimento da suspensão ativa, projeto abandonado pela Wiiliams, além de um contrato muito vantajoso do ponto de vista financeiro, atrai e conquista Piquet para o time. Com a saída do piloto brasileiro, apoiado pela Honda, que levava consigo o projeto da suspensão ativa e o n° 1 (que rende alguns milhões na F-1), a antes poderosa e britânica Williams viu-se desmontada. O brasileiro poderia, enfim, ter uma equipe toda trabalhando para ele, já que o japonês Satoru Nakajima, seu novo companheiro na Lotus, não o incomodaria.

A Williams tenta acertar com a Renault, que anuncia sua retirada das pistas, em razão dos custos elevados. Fica só com o motor Judd V8 aspirado, bem menos potente que o propulsor anterior. E sem a suspensão ativa.

Nem em seus sonhos mais malucos, Piquet poderia prever que o casamento de McLaren e Honda produziria um dos mais fabulosos carros de F-1 de todos os tempos, fazendo a pole-position e vencendo em sua primeira corrida. Tampouco imaginara uma Lotus com tantos problemas de projeto, apesar das promessas. Não poderia imaginar que Senna derrotaria seu companheiro e se consagraria campeão em seu primeiro ano naquela equipe. Aqueles dois anos com a Lotus lhe proporcionaram um ganho financeiro extraordinário, mas significaram o início de seu caminho à aposentadoria.

A dança das cadeiras de 1987 foi intensa durante todo o campeonato, com reviravoltas e surpresas. O bloqueio de Piquet a Senna em sua sonhada Williams provocou o mal-entendido que dividiria a opinião pública brasileira até os dias de hoje.

A equipe Williams retornaria à turma de elite em 1990, com motores Renault e suspensão ativa. Em 1992, após 16 anos, os britânicos puderam ver o inglês Nigel Mansell vencer o Mundial, com um carro e patrocinador inglês. E, finalmente, em 1994, sem ter de dividir a equipe com ninguém importante, Senna chegaria à sua tão sonhada Williams.

por Roberto Brandão

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